TRÊS LIÇÕES NA BUSCA DA SANTIDADE

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Minha jornada começou aos 18 anos, quando pedi a Jesus para ser meu Salvador. Por ter crescido na igreja e me considerar um cristão, eu era essencialmente um bom garoto e nunca me desviei para além das fronteiras morais da minha igreja. Não tinha grandes pecados que precisava abandonar, assim, o processo de transformação em minha vida foi, de início, devagar e quase imperceptível. De fato, ao olhar para trás após sessenta anos, percebo que eu não sabia que precisava ser transformado. Afinal, eu tinha uma vida moral decente e não cometia os pecados de muitos dos meus colegas da faculdade.

Numa noite em janeiro de 1952, um evento mudou tudo isso dramaticamente. Devido a uma declaração que ouvi num estudo bíblico, percebi que a Bíblia precisava ser aplicada de maneira prática na minha vida diária. Como resultado, no caminho de volta ao navio (na época, eu era um jovem oficial da marinha dos Estados Unidos), fiz uma simples oração: “Deus, começando hoje à noite, o Senhor poderia usar a Bíblia para guiar minha conduta?” Aquele foi o começo da minha transformação espiritual. Há um velho provérbio que diz: “Velho cedo demais, esperto tarde demais”. Esse provérbio descreve minha jornada de transformação. Acho que cometi a maioria dos erros teológicos na esfera da transformação espiritual devido a minha própria ignorância e falta de ensino bíblico sólido naqueles dias iniciais (fiquei no mar a maior parte do tempo, e, até onde sabia, eu era o único cristão a bordo do navio).

O primeiro erro que cometi foi supor que eu poderia viver a vida cristã apoiando-me nos meus conceitos morais. Dizia a mim mesmo: “Apenas leia e faça o que a Bíblia diz”. Eu estava acostumado a obedecer às ordens dos oficiais superiores, então, abordei as ordens morais da Bíblia da mesma maneira. Não sabia nada da luta interna entre a carne e o Espírito. Não percebia a necessidade de depender do Espírito Santo para aplicar as Escrituras em minha vida. Após vários anos nessa abordagem de autoesforço, fiquei desanimado com a perspectiva de mudança significativa em minha vida.

Enquanto ainda não estava envolvido em nenhum “grande” pecado, estava vendo os pecados sutis e, frequentemente escondidos, do coração. Sendo assim, parecia que eu estava ficando pior, não melhor. Tudo isso me preparou para o próximo erro, ou seja, abraçar uma abordagem passiva à transformação espiritual. Conhecida por várias expressões como: “vida mais elevada” e “vida mais profunda” e por slogans como “Relaxe e deixe tudo com Deus” e “Apenas confie em Jesus para que ele viva sua vida através de você”, a abordagem passiva ensinava que se você não pode fazer nada para sua salvação, a não ser confiar em Jesus, então, você também não pode fazer nada para sua transformação, a não ser confiar em Jesus.

Obviamente, após o desânimo da abordagem “Faça você mesmo”, isso me pareceu como as boas-novas, quase um segundo capítulo do evangelho da salvação. Mas, aconteceu exatamente o contrário, pois essa abordagem passiva se tornou ainda mais desanimadora. Percebi que Jesus não estava vivendo sua vida através de mim. Na verdade, eu estava lutando com os mesmos velhos pecados do coração. Todavia, em sua misericórdia, Deus me resgatou dessa abordagem passiva e me capacitou a ver a abordagem bíblica, que se tornou o assunto deste livro. E no decorrer daqueles anos de luta aprendi três valiosas lições:

1. A batalha interna entre a carne e o Espírito que Paulo descreveu em Gálatas 5.17 é a vida cristã normal. Não importa o quanto cresçamos espiritualmente, sempre iremos experimentar o conflito entre os desejos da carne e os desejos do Espírito.

2. Quanto mais crescermos na semelhança de Cristo, mais pecados veremos em nossas vidas. Não que estejamos pecando mais, pelo contrário, nos tornamos mais conscientes e mais sensíveis ao pecado que persiste em nossas vidas. O Espírito Santo não revela de uma vez todos os pecados do nosso coração. Ele os mostra gradualmente, na medida em que opera para nos transformar à imagem de Cristo.

3. A transformação espiritual exige de nós o que chamo de responsabilidade dependente. Todas as ordens morais e exortações da Escritura acionam nossa responsabilidade. Não podemos acreditar no “apenas deixe Jesus viver sua vida através de você”. Não, somos responsáveis. E, ao mesmo tempo, somos dependentes do Espírito Santo, tanto para que ele opere sua própria obra, quanto para nos capacitar através de seu poder para fazer a obra que devemos fazer.

Se for verdade que quanto mais crescemos, mais pecado vemos em nossas vidas, o que então nos protegerá do desânimo? A resposta a essa indagação é a percepção de que tanto nossa salvação eterna quanto nossa comunhão diária com Deus são baseadas não em nosso próprio esforço, mas na vida sem pecado e na morte vicária de Jesus.

Quando comecei a buscar essa verdade, vi como o evangelho (isto é, a mensagem do que Cristo fez por nós e continua a fazer) fornece tanto o fundamento quanto a motivação para nosso papel na transformação espiritual, o que eu chamo de “busca da santidade”. Conforme eu estudava as Escrituras para entender acerca do papel do evangelho em nossa transformação, Deus, graciosamente, me mostrava os escritos de alguns dos grandes mestres dos dias da Reforma. Então, percebi que aqueles homens ensinaram que o evangelho é o fundamento para a nossa transformação.

Esta verdade, portanto, se tornou o tema principal do meu ministério. Antes de entender o importante papel do evangelho em nossa transformação, eu achava que o evangelho era somente para os não-crentes. Uma vez que nos tornássemos crentes, não precisaríamos mais dele, exceto para compartilhá-lo com aqueles que ainda não o conheciam. Achava que, como cristãos, precisávamos dos desafios do discipulado. Afinal, Jesus nos disse: vão e façam discípulos de todas as nações (veja Mt 28.19).

É certo que precisamos de desafio e instrução no discipulado, mas também precisamos diariamente do evangelho em nossas vidas, afinal, pecamos todos os dias. E, como já disse, quanto mais crescemos, mais sensíveis nos tornamos ao pecado. Todavia, por sermos naturalmente avaliados com base em nosso desempenho, e pelo fato de nossa cultura reforçar essa orientação, queremos sempre nos relacionar com Deus através de nossas capacitações. Sendo assim, se fui bom, conforme definimos bondade, sinto-me bem seguro em meu relacionamento com Deus. Se, por outro lado, espiritualmente tive um “dia mau”, sinto-me inseguro. De fato, essa insegurança pode fazer com que vivamos negando quão ruins nossos dias maus realmente são.

Porém, não podemos crescer espiritualmente se não reconhecermos nossa necessidade de crescer. E se a insegurança no nosso relacionamento diário com Deus faz com que neguemos nosso pecado, então, certamente não poderemos crescer. Esta é a razão porque todos os dias precisamos do evangelho. Ele nos move de um relacionamento de desempenho pessoal com Deus para um relacionamento baseado na vida sem pecado e na morte vicária de Jesus Cristo. O evangelho diariamente nos lembra de que, do ponto de vista de Deus, nosso relacionamento com ele não é baseado em quão bons ou maus temos sido, mas na perfeita bondade e morte de nosso Senhor Jesus Cristo. Assim, o evangelho nos liberta para que honestamente enfrentemos nosso pecado, sabendo que por causa da morte de Cristo, Deus não leva mais em conta a nossa culpa (veja Rm 4.7–8).

Jerry Bridges

Trecho do livro “O Poder Transformador do Evangelho”.

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397_m_O poder transformador (cover)

 

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